Em nome do pai: torcida 'abraça' Elias após doença do filho e embala o Fla
Um "abraço" coletivo de 57 mil apaixonados em Elias. Normalmente, um torcedor costuma ir ao estádio para incentivar sua equipe. Na noite de quarta-feira, no Maracanã, na vitória por 2 a 1 sobre o Goiás (assista aos melhores momentos no vídeo), pela semifinal da Copa do Brasil, não seria diferente para a torcida do Flamengo. O apoio ao time desta vez, porém, era somente um segundo ato. Antes, os rubro-negros pareciam ter uma missão: despertar seu melhor jogador. Para isso, não foi preciso vaia ou xingamento. Não foi preciso pegar no pé. O torcedor pegou Elias pelo coração. Estendeu a mão, o levantou após a série de atuações ruins e o embalou. Assim como o volante fez com o pequeno Davi, de somente um ano e sete meses, que se recuperou de pneumonia nas últimas semanas. Em nome do pai, os flamenguistas pediram pela saúde do filho, e foram retribuídos com uma atuação de gala daquele que tem sido a peça mais importante da engrenagem vermelha e preta na temporada.
A corrente que teve início nas redes sociais durante a semana poderia ser apenas mais uma perdida entre hashtags e montagens. Mas não foi. Empurrar o Flamengo diante do Goiás passava diretamente por afagar Elias, e o grito de Davi tomou conta do estádio antes mesmo de a bola rolar. Pelas arquibancadas, letras já formavam o nome do menino com desejos de saúde. Com a mão no peito, o volante segurou o choro, acenou e agradeceu com um gol e uma assistência em uma noite marcada ainda por um repertório sem fim de canções, resposta a provocação do gordinho Walter e duas profecias: "Seremos campeões" e "Libertadores, qualquer dia 'tamo' aí".
Davi, o nome da noite
Mesmo com o anúncio da venda da carga total de ingressos antecipadamente, o Maracanã não viveu uma noite de lotação. Se a carga era de cerca de 64 mil, "apenas" 56.224 estiveram presentes - 49.421 pagantes, número também menor do que os 50.500 destinados somente aos rubro-negros. Os ausentes, no entanto, não afetaram o volume do som e desde muito cedo o clima era quente na noite chuvosa. Amontoados na parte destinada as torcidas organizadas, os rubro-negros até deixavam espaços nos setores inferiores, mas cantavam alto. Muito alto. No anúncio das escalações no telão, aconteceu o que tem sido hábito: muita festa para Léo Moura, Elias, Hernane e o novo xodó Paulinho, com pequenas vaias para Carlos Eduardo e um ensurdecedor "Uhhhh" para o Goiás.
Assim que o time entrou em campo, o Maracanã explodiu e o hino do clube foi cantado em uma só voz. Em seguida, cada atleta teve seu nome entoado. Alguns receberam gritos especiais, como "Amaral é mau, pega um, pega geral", "Vai, Paulinho! Vai, Paulinho" e "Eô, eô, o Elias é um terror". Enquanto amarrava a chuteira, o camisa 8 acenou antes de ser pego de surpresa com o nome do filho. Ao ouvir o "Davi", ele colocou a mão no peito e agradeceu emocionado. A relação de titulares ainda não tinha chegado ao fim, mas o Goiás entrou em campo e as homenagens sofreram uma pausa para uma nova grande vaia. Por fim, Hernane foi ovacionado com "Uh, terror, o Hernane é Brocador". Jayme de Almeida também recebeu um afago e ouviu: "Olêeee, olê, olê, Jayme! Jayme!".
Com a bola rolando, a torcida até manteve a empolgação, tentou pressionar o adversário com novas vaias enquanto os goianos tinham a posse de bola, mas não deu certo. De repente, o Maracanã silenciou: gol do Goiás. Aos quatro minutos, Eduardo Sasha escorou cruzamento para fazer 1 a 0. Parte das organizadas até tentou manter o incentivo. O baque, por sua vez, era evidente e inevitável. Parecia que alguém tinha desligado a caixa de som do Maracanã por alguns segundos. Mas pouco depois do reinício da partida os amplificadores voltaram a funcionar e em plenos pulmões os rubro-negros puxaram: "Uma vez Flamengo, sempre Flamengo..."
Em campo, os jogadores responderam. Se o nervosismo era natural pelo gol sofrido, não faltava correria, e Paulinho levou a galera ao delírio ao se jogar de carrinho para tentar recuperar uma bola na bandeirinha de escanteio. A esta altura, Elias ainda não tinha se destacado com a bola nos pés, mas já se mostrava um jogador bem mais intenso do que o apático dos jogos contra Botafogo, Portuguesa e Goiás. Tão intenso que voltou a se apresentar no ataque e disse o primeiro "muito obrigado" aos 13, quando tabelou com Hernane, tentou a finalização, foi travado e deixou o próprio atacante na frente de Renan. Aí, não tem erro: Brocador + Maracanã = gol! Festa na favela!
Com a igualdade no placar, tudo voltou a "normalidade" no campo e na arquibancada. Em casa e empurrado pelo torcedor, o Flamengo se mandou para o ataque e a cada posse de bola perdida o Goiás era recebido com uma vaia quase que uníssona. Elétrico, Elias corria de um lado para o outro, queria mostra que, assim como Davi, estava recuperado. E se alguém tinha dúvida disso, a confirmação veio aos 23 com um giro e um chutaço de direita, de fora da área, como poucas vezes ele tinha acertado com a camisa rubro-negra. Era o gol para Davi, o nome da noite. Na comemoração, o volante levou a mão ao rosto como se fosse uma máscara de hospital em ato bem humorado para sepultar um episódio que começou com tensão e acabou em raça, amor e paixão, como passaram a cantar os torcedores.
Em apenas 23 minutos, o jogo já tinha seu roteiro quase que cumprido: com a vaga na mão, o Flamengo tinha seu herói, que renasceu na solidariedade de seu mais antigo parceiro, o torcedor. A partir daí, a equipe passou a administrar a vitória em campo e os rubro-negros respondiam quase que da mesma maneira das arquibancadas. A intensidade dos gritos já não era a mesma do início, já não era tão forte como nas quartas de final diante do Botafogo e mais parecia um ensaio para decisão com vasto repertório. Ainda no primeiro tempo, sambas enredo do passado voltaram à tona, com destaque para o da Estácio de Sá em homenagem ao centenário do clube, em 1995.
Dentro de campo, Elias continuava acelerado, correndo muito até o minuto final do primeiro tempo, quando parou para agradecer a solidariedade dos torcedores:
- Foi muito (emocionante). Não chorei porque tive que segurar para não perder a concentração. Esperava a homenagem da torcida, que é maravilhosa, me apoiou nesse momento difícil.
A expectativa do volante vinha da repercussão em redes sociais, onde muitos usuários passaram a utilizar a foto do pequeno Davi em seus perfis.
Reverências a ídolos do passado e provocação a Walter
Ronaldo Angelim foi festejado pela galera (Foto: Master Sports & Mkt)
Durante o intervalo, a torcida deu uma trégua na festa, mas reacendeu antes do retorno das equipes para o gramado por conta de dois ídolos do passado. De um silêncio quase que geral, surgiu: "Ah, é Angelim! Ah, é Angelim!". Era a resposta imediata a aparição do ex-zagueiro, herói do título brasileiro de 2009, em um dos camarotes. Ao seu lado, estava o também ex-defensor Fábio Luciano, que teve seu nome gritado.
Com a bola rolando, algumas marcações de árbitro Leandro Vuaden começaram a desagradar e geraram protestos isolados. Ao anular gol legal de Hernane, entretanto, o descontentamento foi geral e xingamentos foram direcionados ao árbitro gaúcho. Bem postado em campo, o time carioca comandava as ações e não via a vaga na final em risco. O torcedor respondeu com "e só dá Mengo, lêlêlê". Como já tinha acontecido na goleada por 4 a 0 sobre o Botafogo, a festa só deu lugar a irritação em um momento: quando Carlos Eduardo saiu de campo. Ao ser substituído por Diego Silva, o camisa 20 ouviu vaias amenizadas por apoio das organizadas.
O clima voltou a ficar monótono até os 21 minutos, quando novamente aumentaram o volume do Maracanã. Desta vez, o grito foi "Vamos, Flamengo! Vamos ser campeão (sic), vamos Flamengo!". Em campo, o Goiás crescia, pressionava e o torcedor dava a resposta puxando o time da arquibancada. Hit no hexa, "Mengão do meu coração" foi a canção da vez e seguiu até que as ações em campo voltassem a ser rubro-negras. Aos 35 minutos, o "Festa na favela" deu lugar a pedidos de "Ola", respondido por todo o estádio.
A torcida rubro-negra fez a festa e celebrou a vaga nas finais da Copa do Brasil (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
A festa, por sua vez, não era a mesma das vitórias sobre Botafogo e Cruzeiro nas fases anteriores. A classificação tranquila parecia ter diminuído um pouco a empolgação, como se os torcedores se poupassem para final. Xodó da vez, Paulinho perdeu gol feito dentro da área e ouviu um "Vai, Paulinho! Vai, Paulinho!" como incentivo. Somente nos minutos finais o Maracanã entrou em erupção novamente. O árbitro auxiliar já tinha levantado a placa com três minutos de acréscimos quando surgiram gritos de "eliminado" e "olé" para o Goiás. A provocação maior ainda estava por vir e tinha destino certo.
Torcida do Fla usou o bom humor para provocar o rival (Foto: André Durão / Globoesporte.com)
Mesmo vetado das duas partidas, Walter incomodou ao prometer "deitar e rolar" sobre os cariocas. Com a resposta em campo consolidada, os rubro-negros se esbaldaram: "Ô, Walter, vai se f..., o meu Flamengo deita e rola em você". A provocação encontrou eco dentro de campo, e jogadores se jogaram no gramado repetindo o ato que o gordinho não conseguiu cumprir no confronto.
Por fim, a Libertadores voltou a entrar em pauta com "qualquer dia 'tamo' aí', seguido por um grito final e entusiasmado: "Da-lhe, da-lhe, da-lhe, Mengo, seremos campeões!". Para isso, o Rubro-Negro ainda tem pela frente o Atlético-PR na grande decisão, marcada para os dias 20, em Curitiba, e 27, no Maracanã.
globoesporte.globo.com
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